segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Metropolização de cidades tombadas causa prejuízo aos patrimônios

O arquiteto responsável pela construção de Brasília, Oscar Niemeyer, causou polêmica ao propor a construção da Praça da Soberania, local que abrigaria o "Obelisco dos Presidentes" e, subterraneamente, um estacionamento para três mil carros. Sob a alegação de que a obra estaria incluída no projeto original desenvolvido por Lúcio Costa, Niemeyer desistiu de concretizar o que seria sua uma de suas últimas obras, mediante diversas críticas de urbanistas e habitantes da cidade.



Os contrários à inclusão de novos monumentos ao Eixo Monumental alegam que construção da praça afetaria a vista para o horizonte, aspecto determinante no projeto de Lúcio Costa. “As escalas devem ser preservadas. Minha real preocupação é com o projeto urbanístico da cidade”, explica a arquiteta e urbanista, Maria Elaine Kohlsdor.



O tombamento tem o objetivo de preservar da descaracterização e depredação os bens de valor histórico, cultural, arquitetônico, ambiental e também de valor afetivo para a população. Com apenas 27 anos de idade na época do reconhecimento pela UNESCO, a jovem capital foi responsável por aumentar a lista, composta hoje por apenas 17 localidades brasileiras inscritas na lista dos patrimônios da Humanidade.



O reconhecimento de Brasília como Patrimônio Mundial ocorreu em 7 de dezembro de 1987, e, juntamente com o tombamento proposto pelo governo brasileiro, consiste em preservar as quatro escalas delimitadas pelo urbanista Lúcio Costa.



Vulgarmente entendida pela população como uma paralisação ou um problema, os bens tombados podem ainda ser utilizados e comercializados, contanto que se preservem as características originais do imóvel. Vale ressaltar que, caso o proprietário esteja interessado na venda do bem, deve-se realizar uma comunicação prévia com à instituição responsável pelo tombamento, para que ela possa comprar esse patrimônio. No caso de Brasília, esse tipo de situação não se aplica, já que a cidade é tombada como um todo, buscando a preservação não de imóveis em específico.



Tombamento



O projeto de Brasília prevê mais do que apenas construções e edificações coordenadas. Lúcio Costa implementou na nova capital um estilo de vida, uma concepção de cidade diferente de qualquer outro lugar, escolhendo três dimensões a serem trabalhadas; As escalas Gregária, Monumental, Residencial e Bucólica.



A Monumental diz respeito aos monumentos erguidos em Brasília, estando indicada principalmente no Eixo. A residencial é composta por superquadras localizada nas Asas Sul e Norte do projeto que imita um avião. A gregária é a de convivência entre os habitantes da cidade como os setores hospitalares, bancários, hoteleiros e de diversão. A bucólica, talvez a mais emblemática de Brasília, trata dos parques e dos espaços verdes, que dão um toque especial ao projeto.



Essas quatro escalas foram preservadas e o plano de tombamento é específico para cada uma delas. “A manutenção das escalas é necessária para caracterizar os espaços. Quando se está andando pelas quadras residenciais da Asa Sul podemos, pelas características do local, saber que estamos na escala residencial” reforça Kohlsdor.



Metropolização de cidades tombadas


O processo de metropolização acontece quando as cidades ultrapassam um milhão de habitantes. Segundo dados do censo 2010, liberados pelo IBGE nesta semana, no DF moram cerca de 2,5 milhões de pessoas. Planejada para receber um número de habitantes muito inferior à realidade da cidade após 50 anos de sua construção, pode-se observar uma série de problemas de infra-estrutura na região.



A degradação das áreas tombadas não é fruto apenas do desconhecimento do valor cultural e arquitetônico por parte da população, mas, em alguns casos pela necessidade de acomodação dessa grande massa populacional e da especulação imobiliária. “Não devemos culpar a especulação imobiliária, claro que existe a pressão desse setor, mas cabe ao poder publico ceder ou não a essas exigências. Construções ao longo da Epia, por exemplo, são inevitáveis, mas o governo deve criar normas para essas construções não prejudicarem a estética da cidade”, reforça Maria Elaine.



A palavra adaptação é o subterfúgio utilizado pela população para conseguir conciliar a importância do tombamento com as necessidades diárias. Puxadinhos, construções de terraços e salões de festa nos prédios, invasões de áreas públicas e de parques, utilização irregular de a construção de um cinturão sem planejamento em volta do Plano Piloto são motivos que afetam diretamente a conservação do projeto de Lúcio Costa, mas esse problema não é identificado apenas em Brasília.



As quadras da 700 Sul, passaram por uma revitalização no final de 2008, com a finalidade de preservar a escala residencial da região. Cerca de 50 estabelecimentos que funcionavam nessas quadras como pousadas, saunas e salões de beleza tiveram que mudar de endereço, entretanto, ainda existem pequenos e tímidos comércios funcionando nas casas.



Invasões de áreas verdes e públicas também podem ser facilmente notadas na Asa Sul. O aposentado Carlos Ferreira, adquiriu sua casa em 1996 e ganhou junto com o lote uma área cercada por grades, que serve como garagem e pátio residencial. Questionado sobre a invasão, o morador alegou pagar até o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU). “Quando eu comprei essa casa, já tinha essa área verde ai. Houve uma lei defendida na Câmara Legislativa para a apropriação definitiva do local, mas não acompanhei o final do caso. Eu pago IPTU dessa região, além do da minha casa”, afirma o aposentado.



Já os comerciantes da região se baseiam na Lei nº 766/08, que regulamentou os ‘puxadinhos’. De acordo com o dispositivo legal, os proprietários das lojas são responsáveis pela conservação das calçadas e manutenção de 2m livres para a circulação de pedestres, podendo estender seus estabelecimentos em até 6 metros atrás do bloco comercial. “A principal irregularidade é a ocupação demasiada da área verde que envolve Brasília, na escala bucólica”, afirma Briane Bicca, urbanista e consultora do Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília.


Nem as cidades mais antigas escapam da metropolização. Em visita a Ouro Preto, em comemoração aos 300 anos de elevação de Vila Rica e aos 30 anos de tombamento pela cidade, a reportagem conversou com moradores que dizem haver a necessidade de se realizar as mudanças e que, por vezes, alterações indevidas ocorrem de forma inconsciente. Nesses casos é necessária uma mobilização de órgãos do estado na implementação de políticas de preservação.



A professora Cemir Emiliano, 36 anos, moradora da Ladeira Santa Efigênia, uma das regiões mais tradicionais da antiga cidade de Ouro Preto, alega ter feito pequenas adulterações na fachada de sua casa. Sem informações suficientes, os moradores tentam preservar as características de seus imóveis, mas é difícil sem a ajuda de órgãos que cuidam desses tombamentos. "Aqui na ladeira várias casas estão desconfiguradas. As pessoas precisam mudar uma janela, precisa repintar as casas, mas não sabem como fazer isso direito", critica a moradora.



A região da Bauxita, bairro de construção recente de Ouro Preto, foge totalmente ao padrão colonial. A superintendência do Iphan de Minas Gerais busca conciliar e orientar os moradores na hora de realizar as obras, que não podem interferir na área de preservação. A política do órgão na região é muito firme e trabalha em sintonia com a população.



Em Ouro Preto, qualquer construção ou alteração em imóveis deve ter a autorização da prefeitura e do Iphan. "As vezes as pessoas querem colorir a casa de tons que não fazem parte da paleta de cores barrocas ou construir um prédio moderno, e não pode. O Iphan conscientiza o cidadão da limitação, mas o processo é educacional, visando resgatar no povo a estima pela história e cultura", explica o superintendente regional de Minas Gerais, Leonardo Barreto.



Plano de Preservação


Brasília, membro ativo do Comitê do Patrimônio Mundial da UNESCO, sediou em julho deste ano a 34ª reunião do grupo. Além das deliberações sobre a inclusão de novas localidades à lista, aconteceu uma avaliação rigorosa sobre a preservação dos aspectos referentes ao patrimônio.



Segundo Alfredo Gastau, superintendente regional do Iphan em Brasília, a última visita do comitê foi ponderada e realista e o relatório serviu para que diversas alterações no que se relaciona à conservação do projeto de Lucio Costa fossem tomadas. “O comitê é composto por pessoas muito realistas, pessoalmente não vejo nenhuma ameaça, pois, apesar dos pesares, Brasília respeita o plano original. Mesmo com os puxadinhos, mantêm-se a obra original. Precisamos ajustar ainda algumas coisas”, explica Gastau.



Uma ferramenta que visa colaborar para a manutenção do tombamento em Brasília é o Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB), assinado em março de 2009. Por meio de reuniões abertas, a comunidade em conjunto com profissionais da área pôde debater questões referentes ao patrimônio cultural, diretrizes e ocupação do território do Distrito Federal.



Esse relatório gerado com a colaboração da população foi posteriormente enviado para o GDF e o Iphan para análise e correções. O projeto foi encaminhado à Câmara Legislativa do DF que vota o seu conteúdo, podendo também realizar alterações. Depois se inicia a aplicação do plano.



O PPCUB atende diretamente às demandas enumeradas pelos relatórios da UNESCO, buscando resolver os impasses na manutenção dos patrimônios e se estende também a outras áreas, hoje incluídas no Plano Piloto. Na assinatura do contrato, ficou determinado que Candangolândia, área Octogonal, os Cruzeiros; velho e novo, o Sudoeste e as Vilas Planalto e Telebrasília também estão delimitadas no projeto original da cidade, e para elas haverá prescrição de medidas para a sua preservação.



Para Briane Bicca, a união entre bons gestores públicos e o olhar atento da população ao cumprimento do plano são essenciais para que essa política seja eficiente. “É essencial que existam pessoas honestas e qualificadas para que o Plano não sofra modificação. O cidadão de Brasília tem um papel fundamental na vigilância sobre o que se faz na cidade”, reforça Bicca.

3 comentários:

Bruno Azambuja disse...

hahahaha Relaxa, guria, nem te conheço. Não vou jogar na tua cara que vc falou merda, até pq, não falou.
Achei esse texto procurando contatos no google de uma ex-professora de urbanismo minha, a Maria Elaine Kohlsdorf (com f no final, unica critica ao seu texto).
Muito bom o texto, sou urbanista e me interessa muito a questão do tombamento e, especialmente, até onde ele vale a pena.
Bacana vc ter citado Ouro Preto, é um sistema de preservação que de fato funciona (fui estagiario no iphan, era lindo trabalhar com ouro preto), entretanto, a realidade urbana de lá é completamente diferente da daqui.
Creio que o iphan precisa rever algumas coisinhas relativas ao tombamento da cidade de Brasília. Brasília é uma cidade dos anos 60, desenhada para os Jetsons. Numa época onde ter carro era ter um novo membro na familia, e que apenas o progresso era visto como fonte de felicidade.
O iphan, por ser muito rigido em algumas de suas resoluções, acaba por atravancar um relacionamento ainda melhor do cidadão com a cidade de brasilia.
Exemplo básico: O tombamento não permite, por exemplo, q sejam criadas ciclovias de maneira satisfatória dentro do Plano Piloto. E, a meu ver, não há maneira mais vantajosa de se locomover nessa cidade que de bicicleta (logico, quando há segurança para tal).
Creio que o tombamento deve ser, de tal maneira que proteja os intresses artísticos e culturais, porém, atentando-se ao BEM ESTAR dos cidadãos. Isso implicaria num abrandamento de algumas regras do tombo no iphan.
Mas como a gente vive no Brasil, e aqui o ego de servidor publico "poderoso" fala bem alto, tudo q vemos são briguinhas super bobas entre iphan, terracap, gdf, agefis e até a iniciativa privada. E ninguém vai baixar a crista e falar: "beleza, me diz o q tu acha e vamo achar um ponto comum".
É complicado, pois pra todo lado que se olha, se vê algo contraditorio... os pilotis cercados por jardins e cercas vivas que impedem o livre andar proposto pelo Lúcio Costa, um iphan super de mimimi para resolver a questão das passagens subterraneas sob o eixão, ou outras referentes à mobilidade urbana. Tá ficando dificil andar livremente por Brasília... Será que era isso que o Lúcio queria quando projetou a cidade?
Enfim... Brasil...

A propósito, parabéns pelo texto.

Neuma disse...

Lindo texto. Parabéns pela objetividade.

Neuma disse...

Lindo texto. Parabéns pela objetividade.