quinta-feira, 28 de julho de 2011

Os desafios dos deficientes no ensino superior público do DF

Outubro de 2010
Clicabrasília.com.br
Jornal de Brasília


Quando o assunto é educação, a inclusão de pessoas portadoras de necessidades especiais ainda é um desafio. Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), até o ano de 2008, apenas 0,05% dos portadores de necessidades especiais no Brasil tinham acesso à educação superior. Desses, 1.788 em instituições públicas do país. O número de egressos em instituições privadas é nove vezes maior. Entretanto o montante não ultrapassa os 12 mil.

Quase 25 milhões de brasileiros possuem alguma necessidade especial. Esse número corresponde a 15% da população brasileira, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Traduzindo, de cada 100 pessoas, 15 possuem algum tipo de deficiência física ou mental no país. No Distrito Federal, aproximadamente 275.580 pessoas necessitam de cuidados especiais.

Nos últimos dez anos, houve um aumento substancial de 425% no número de alunos portadores de deficiência no ensino superior. Apesar do crescimento da demanda de alunos especiais à vida acadêmica, esse valor ainda não mostra uma real mudança na situação de pessoas com deficiência. Nos estados do Amapá, Ceará e Rondônia, até 2008, não existia nenhum aluno portador de necessidades especiais em instituições públicas de ensino.

O aumento da procura desses alunos pelo ensino superior é uma realidade, mas esses números ainda são baixos e não dizem se esses alunos conseguiram se graduar, ingressando posteriormente no mercado de trabalho.

No DF, a situação mostra que esse aumento caminha a passos curtos. Na Universidade de Brasília (UnB) foram realizadas no primeiro semestre deste ano 27.419 matrículas. Apenas 59 de alunos possuiam necessidades especiais. Desconsiderando os alunos matriculados nos semestres anteriores, o número de deficientes que ingressaram na universidade não soma 1%.

Realidade
Martha Sousa, 45 anos, entrou para o curso de Letras da Unb em 1994. Após problemas de saúde, ela ficou paraplégica logo que terminou o ensino médio, com 16 anos. A aluna prestou o vestibular convencional, quando já tinha 29 anos, e decidiu entrar pra universidade.

Na época, Martha era uma das poucas alunas com deficiência física na instituição. Ela relata que os alunos e professores não estavam preparados para recebê-la e que, por isso, sofreu preconceito e acabou sendo, progressivamente, afastada do convívio social na universidade. "Os alunos me viam como uma pessoa incapaz. Eu não era chamada para os trabalhos em grupo e tinham que provar, o tempo todo, que eu conseguia realizar as atividades como todo mundo", conta Martha.

Hoje, cursando a segunda graduação na UNB, ela avalia que a situação do aluno com necessidades especiais é melhor, entretanto o preconceito e as dificuldades para manter o curso são grandes. "Na minha primeira graduação eu tinha dificuldade de convívio na universidade. Após as políticas de inclusão, eu sinto que agora é mais fácil", afirma Martha.

Algumas questões estruturais também foram resolvidas com o passar do tempo, como a aquisição de mobília especial para comportar alunos cadeirantes e rampas de acesso aos prédios, entretanto, situações cotidianas, como estacionar na vaga de deficientes, ainda é um problema.

Já o estudante de biblioteconomia Luciano Ambrósio, deficiente visual, se locomove pelos longos corredores da Unb na companhia de seu cão guia ou ajudado por outros alunos. "Os projetos estruturais não foram pensados pela perspectiva dos deficientes. A Unb, por exemplo, é muito cheia de degraus, não favorecendo assim a locomoção", relata Luciano.

No caso dele, o maior desafio na universidade foi conseguir ter acessos aos conteúdos educacionais. Não existe bibliografia científico-acadêmica em linguagem Braille. A saída foi contar com o apoio de monitores da Unb que faziam adaptação dos conteúdos e de dispositivos eletrônicos que realizam a leitura dos textos. "Eu utilizo muitos livros em formato eletrônico, através de um leitor de voz. Outra forma são as gravações de aulas e conteúdos em áudio. Os monitores lêem os textos e gravam para me ajudar", conta Luciano.

Políticas de inclusão
Para garantir a entrada e - ainda mais importante- a permanência desses estudantes na instituição, o Programa de Apoio aos Portadores de Necessidades Especiais (PPNE) é uma peça fundamental para ajudar a driblar obstáculos sentidos pelos alunos com necessidades diferenciadas. O projeto tem como objetivo promover o atendimento para esses alunos dentro da instituição, intermediando a relação entre eles e os demais docentes e professores, estimulando o convívio.

Para o coordenador, José Roberto Fonseca, os baixos índices de ingresso desses alunos ao ensino superior denota um problema na educação básica. "O problema não está no ensino superior, mas no caminho até ele. A educação básica precisa de atenção", alerta Fonseca. Segundo o coordenador, 90% dos alunos que conseguem ingressar na UNB se formam, ainda que leve um pouco mais de tempo.

Essas práticas aliadas a uma maior conscientização têm atraído esses alunos, estimulando uma maior procura por especialização. "Desde a criação do projeto, em 1999, mais de 200 alunos com necessidades especiais conseguiram se formar e alguns continuam nos cursos de pós-graduação e mestrado", revela Fonseca em tom positivo.

O trabalho da PPNE consiste em ajustar o campus e a metodologia à realidade dos alunos. O coordenador ressalta que a partir da demanda desses universitários, mudanças são realizadas a fim de melhorar a qualidade de vida na universidade. "O atendimento à esses alunos é individualizado. Infelizmente, nosso espaço ainda não é totalmente adequado aos alunos portadores de necessidades especiais. Junto com eles, procuramos identificar e mapear esses problemas no campus", explica Fonseca.

Com a ajuda do projeto, os alunos com deficiências conseguem se adaptar às formas de avaliação, contando também com a ajuda de monitores voluntários que auxiliam na realização de atividades. O programa mantém um carro adaptado para transportar os alunos com deficiência física dentro das instalações da UnB e eles ainda tem acesso à tecnologias que colaboram para a melhor formação desses estudantes como a biblioteca digital e sonora, gravadores de áudio, impressoras em Braille, dentre outros.

A aluna Martha considera que as políticas de inclusão são de suma importância, já que o preconceito ainda existe dentro do mundo acadêmico. "As políticas para incluir de forma correta os alunos portadores de necessidades especiais fazem a diferença", sugere a universitária que considera que existam fatores externos às instituições que expliquem os baixos números de alunos deficientes nas graduações. "A família também colabora para dificultar a inserção desses alunos. Muitas vezes somos desestimulados em casa, quando seus familiares vêem você como um inválido ou incapaz", detalha a aluna.

Na avaliação geral desses alunos, as deficiências do ensino é que devem ser eliminadas, respeitando assim as diferenças existentes em todos os alunos. "Cada aluno é uma experiência nova, somando assim pra uma melhor educação de forma geral", finaliza Ambrósio.

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